segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Papel das tecnologias digitais na formação de novos leitores



     Segundo a entrevista feita com os estudiosos na área da Educação dentro das tecnologias José Morais e Roger Chartier afirmam com veemência que os nativos digitais buscam cultivar a leitura pelos meios mais funcionais e práticos que estão ao seu alcance.
    Chartier - trás presente que a internet pode ser uma poderosa aliada para manter a cultura escrita. "Além de auxiliar no aprendizado, a tecnologia faz circular os textos de forma intensa, aberta e universal e, acredito, vai criar um novo tipo de obra literária ou histórica. Dispomos hoje de três formas de produção, transcrição e transmissão de texto: a mão, impressa e eletrônica - e elas coexistem."
    No fim de junho, Chartier - esteve no Brasil para lançar seu livro Inscrever & Apagar, em que discute a preservação da memória e a efemeridade dos textos escritos. Nesta entrevista, ele conta como a leitura se popularizou no século 19, mas destaca que bem antes disso já existiam textos circulando pelos lugares mais remotos da Europa na forma de literatura de cordel e de bibliotecas ambulantes. Confira os principais trechos da conversa.
Segue a entrevista do professor José Morais:
  • Qual o papel das tecnologias digitais na formação de novos leitores?
   Está em produção uma meta análise, 1 de 84 estudos qualificados sobre mais de 60 mil alunos da pré-escola ao 12° ano (sobretudo nos Estados Unidos). Ela mostra que os efeitos das aplicações tecnológicas (computadores, internet, quadros interativos, multimídia), comparados aos do ensino tradicional, são estatisticamente significativos, embora sejam pequenos. Os maiores efeitos foram obtidos em escolas onde as aplicações tecnológicas são integradas na atividade de ensino do professor e apoiadas por uma experiência profissional considerável.

  • Como é o trabalho realizado nas escolas envolvidas no estudo?
     Nessas escolas, o esquema utilizado é tipicamente de 90 minutos de ensino por dia a grupos de 15 alunos. Cada período começa por uma lição de 20 minutos de leitura partilhada e depois os alunos, em grupos de cinco, participam rotativamente nas seguintes atividades: instrução assistida por computador, leitura independente e instrução com o professor. Em um programa assistido por computador (Alphie’s Alley), o professor trabalha com cada aluno do 1° e 2° anos em uma coordenação total entre o tutor humano e a tecnologia. Em outro (Team Alphie), as crianças trabalham por pares no computador com um professor para cada três pares. A individualização da aprendizagem através de computador pode trazer vantagem, mas transforma-se em desvantagem se levar a uma menor instrução pelo professor ou se não houver ligação entre os dois tipos de ensino. É preciso que os professores tirem proveito daquilo que o aluno fez no computador. O computador ajuda, mas o professor continua a desempenhar o papel principal. Os efeitos positivos são ligeiramente maiores nas crianças com dificuldades de aprendizagem e também se observam nos anos superiores (do 9° ao 12°).
  • Que diferenças entre a leitura em suportes digitais e no papel são importantes em relação à aprendizagem e às capacidades cognitivas?
    A leitura em computador (é errado falar de leitura digital ou eletrônica, porque em todos os casos a leitura é realizada por processos da mente e do cérebro humano) não é fundamentalmente diferente da leitura no papel, mas exige a implementação de estratégias de navegação que estão menos presentes na leitura de texto tradicional. Duas delas são o processamento inicial da súmula gráfica (estrutura do texto com indicação dos títulos das secções e das relações entre elas), que permite formar uma ideia geral antes da leitura dos conteúdos, e a seleção de rotas com finalidade coe–siva (cohesive hyperlinking), que permite maximizar, durante a compreensão, a relação semântica entre as seções. Por volta dos 11 anos, quando se desenvolve a habilidade para ligar diferentes episódios de um texto, observa-se uma correlação entre o desempenho em leitura e a estratégia de seleção de rotas. Os que mais utilizam essa estratégia são também os que leem melhor. Quando se tem um objetivo em mente, seguir as rotas coe–sivas maximiza a probabilidade de ler ideias relacionadas, de integrá-las, de realizar ciclos de compreensão. É importante para a compreensão das matérias.
  • Como a relação do aluno com as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) afeta a capacidade de leitura?
    Descrevo dois estudos que analisaram dados do PISA 2009. Em um deles,3 observou-se que, quanto mais positiva e maior for a confiança nas TICs, mais frequente é a leitura (de todos os tipos) em computador e melhor é o desempenho em leitura no PISA. Curiosamente, a disponibilidade de acesso a computadores na escola não se correlaciona com a leitura, segundo o PISA, nem com a frequência de leitura no computador. Não é o caso da disponibilidade de acesso ao computador em casa que tem efeito negativo sobre a leitura (PISA), porque os alunos o utilizam sobretudo para jogos on-line e outras atividades que não envolvem leitura. Se considerarmos apenas a sua utilização em atividades de leitura (dewikis, enciclopédias on-line, notícias, temas específicos, informações práticas, participação em fóruns de discussão, etc.), então o efeito no desempenho em leitura será positivo. O outro estudo,4 que examinou a coorte de alunos espanhóis que fizeram o teste de leitura no computador no PISA 2009, confirma o que acabo de dizer. O desempenho nesse teste foi mais influenciado pela utilização do computador para busca de informação do que para atividades sociais (chat, etc.). Infelizmente, porém, são mais numerosos os jovens que passam mais tempo envolvidos com as atividades sociais: 66% quase ou nunca participam em fóruns de discussão e 40% quase ou nunca leem notícias, ao passo que 48% conversam várias vezes por dia e 78% várias vezes por semana.
  • Qual é o papel da escola como promotora de leitura? O que ela poderia fazer junto com outras instituições sociais?
   Antes de responder à sua pergunta, quero dizer que o Brasil é um dos países com maior índice de desigualdade de condições de educação. Em um estudos que comparou Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia e México, com base no PISA 2006 e 2009, o Brasil teve o pior desempenho. No PISA 2009, os alunos brasileiros do ensino público obtiveram, em média, 398 pontos em leitura e os do ensino particular 516: 118 pontos de diferença! Mais do que em países como Uruguai (95), Argentina (86), Colômbia (68), México (48) e Chile (46). Ora, 90% das crianças e dos adolescentes brasileiros escolarizados frequentam a escola pública. Além disso, como a taxa de frequência escolar é a mais baixa desses seis países, o Brasil é considerado pelos autores do estudo como o mais preocupante. Na população ativa da próxima década, haverá uma pequena elite rodeada de uma esmagadora maioria de indivíduos sem a mínima preparação para a sociedade do conhecimento. As capacidades de leitura e escrita estão na raiz do conhecimento. Onde são adquiridas? Na escola (à parte casos excepcionais, geralmente de crianças de meio sociocultural favorecido). Portanto, não há escapatória: aconteça o que acontecer em termos de crescimento da riqueza e de mobilidade social, é na escola que serão formadas as futuras gerações e é a escola que terá de ser mudada.  
  • Ainda que em alguns países os índices totais de leitura sejam muito baixos, como no Brasil, não se pode dizer que os estudantes não leiam. Porém, muitas vezes a escola “mata” o gosto por essa atividade ao propor leituras inadequadas e distanciadas da realidade do jovem. O senhor concorda?

    Se a escola “mata” o gosto pela leitura, não é porque propõe leituras distanciadas da realidade do jovem. É porque não há, prévia ou paralelamente, o esforço necessário para mostrar-lhe que a realidade que não é ainda a dele merece ser conhecida. 
    É verdade que, embora a habilidade de leitura aumente substancialmente entre 8 e 12 anos, o gosto por ela diminui e continua a diminuir durante a adolescência. Isso é problemático, porque a exigência acadêmica em termos de leitura aumenta cada vez mais.
A eficiência em leitura depende da prática da leitura, que, por sua vez, é influenciada pela motivação para ler. Só se lê quando se quer ler e quando se lê com algum objetivo. Sabe-se que as meninas leem muito mais do que os meninos: é o gosto da leitura que dá conta de 42% da diferença entre os dois sexos no desempenho em leitura.
  • O que os educadores devem aprender para transformar as experiências dos educandos em conteúdo para a sala de aula?

     A receita é simples: despertar-lhes o interesse, mostrar-lhes que o material a respeito do qual se lhes propõe a leitura merece tal esforço. Como se consegue isso? Estando o próprio educador profundamente entusiasmado pelo que quer comunicar, pelo que quer fazer partilhar. 
  • Como envolver todos os professores da escola no compromisso de ler e escrever em todas as áreas?
   A leitura é uma atividade permanente, mas que muda ao longo do percurso escolar. Já vimos que a busca de informação no computador implica uma seleção de caminhos, uma navegação impensável na leitura de um romance. Esses problemas devem ser discutidos pelo grupo de professores. Há textos que apresentam fatos; outros, argumentos; outros, ainda, imagens e figuras de estilo. A partir de mecanismos gerais de leitura e escrita, que devem estar instalados nos primeiros três anos, há que se aprender as especificidades dos tipos de texto que correspondem às diferentes disciplinas. A prática da leitura e da escrita tem um enorme poder sobre nossas capacidades para além delas mesmas. Influencia inclusive nossa capacidade criadora. Há dados que mostram que o pensamento criativo, sobretudo no seu componente de elaboração, aumenta com a prática da leitura e da escrita.
  • O que os professores precisam aprender com seus alunos?
   A escutá-los, observá-los, compreendê-los, identificar neles os erros persistentes e as intuições encorajadoras. Devem lembrar-se de que não sabem tudo nem têm necessariamente razão em tudo. Compete-lhes fazer com que os alunos vejam neles exemplos de sinceridade, de modéstia, de justiça, de vontade de saber, de recusa de não compreender, de espírito crítico que nenhum dogma e nenhum preconceito jamais submeterá.
  • Essa fragmentação dos conteúdos na internet não afeta negativamente a formação de novos leitores?
    CHARTIER,  provavelmente sim. Na internet, não há nada que obrigue o leitor a ler uma obra inteira e a compreender em sua totalidade. Mas cabe às escolas, bibliotecas e meios de comunicação mostrar que há outras formas de leitura que não estão na tela dos computadores. O professor deve ensinar que um romance é uma obra que se lê lentamente, de forma reflexiva. E que isso é muito diferente de pular de uma informação a outra, como fazemos ao ler notícias ou um site. Por tudo isso, não tenho dúvida de que a cultura impressa continuará existindo.
  • As novas tecnologias não comprometem o entendimento e o sentido completo de uma obra literária?
    CHARTIER,  Sim e não. A pergunta que devemos nos fazer é: o que é um texto? O que é um livro? A tecnologia reforça a possibilidade de acesso ao texto literário, mas também faz com que seja difícil apreender sua totalidade, seu sentido completo. É a mesma superfície (uma tela) que exibe todos os tipos de texto no mundo eletrônico. É função da escola e dos meios de comunicação manter o conceito do que é uma criação intelectual e valorizar os dois modos de leitura, o digital e o papel. É essencial fazer essa ponte nos dias de hoje.
  • O senhor acha que o e-paper (dispositivo eletrônico flexível como uma folha de papel) é o futuro do livro?
     CHARTIER,  Os textos eletrônicos são abertos, maleáveis, gratuitos e esses aspectos são contrários aos da publicação tradicional de um texto (que pressupõe a criação de um objeto de negócio). Para ser publicado, um texto deve ser estável. Na internet, os textos eletrônicos continuaram protegidos, ou seja, não podem ser alterados, e têm de ser comprados e descarregados no computador do usuário integralmente. Para mim, a discussão sobre o futuro dos livros passa pela oposição entre comunicação eletrônica e publicação eletrônica, entre maleabilidade e gratuidade.
  • Ao longo da história da humanidade, acompanhamos a passagem da leitura oral para a silenciosa, a expansão dos livros e dos jornais e a transmissão eletrônica de textos. Qual foi a mais radical?
    CHARTIER  Sem dúvida, a transmissão eletrônica. E por uma razão bastante simples: nunca houve uma transformação tão radical na técnica de produção e reprodução de textos e no suporte deles. O livro já existia antes de Guttenberg criar os tipos móveis, mas as práticas de leitura começaram lentamente a se modificar com a possibilidade de imprimir os volumes em larga escala. Hoje temos no mundo digital um novo suporte, a tela do computador, e uma nova prática de leitura, muito mais rápida e fragmentada. Ela abre um mundo de possibilidades, mas também muitos desafios para quem gosta de ler e sobretudo para os professores, que precisam desenvolver em seus alunos o prazer da leitura.
  • É muito fácil publicar informações falsas na Internet. Como evitar isso?
     CHARTIER  A leitura do texto eletrônico priva o leitor dos critérios de julgamento que existem no mundo impresso. Uma informação histórica publicada num livro de uma editora respeitada tem mais chance de estar correta do que uma que saiu numa revista ou num site. É claro que há erros nos livros e ótimos artigos em revistas e sites. Mas há um sistema de referências que hierarquiza as possibilidades de acerto no mundo impresso e que não existe no mundo digital. Isso permite que haja tantos plágios e informações falsas. Precisamos fornecer instrumentos críticos para controlar e corrigir informações na internet, evitando que a máquina seja um veículo de falsificação.

        Sem dúvida, estamos diante de um novo século, com uma nova sociedade, a sociedade da informação, com novo formato de receber e transmitir informação, e de uma busca interminável de conhecimento. As pessoas hoje em dia, têm acesso ao mundo e as suas tradições culturais, com muita mais eficácia e rapidez que ontem. Com a explosão da computação e, conseqüentemente da internet, passou-se a considerar que disponibilizar informação em uma página da Internet seria um processo educativo contínuo e a formação da língua escrita dessa pessoa, estaria sendo realmente transmitida, de forma correta. As recordações da Educação nos dizem que, educar não é adestrar, nem governar informações para um indivíduo e sim servir como mediador desse processo.

Referencia
http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/fundamentos/roger-chartier-livros-resistirao-tecnologias-digitais-610077.shtml
http://www.grupoa.com.br/revista-patio/artigo/8083/a-missao-de-despertar-o-interesse-pela-leitura.aspx
http://www.profala.com/arteducesp149.htm
http://andreegg.opsblog.org/2010/01/15/livro-de-papel-versus-leitores-digitais/



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